Teste rápido de DNA

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O produto tem um ‘chip’ que detecta no sangue de pacientes a presença de certos trechos de DNA, que podem ser alterações genéticas associadas a problemas de saúde ou sequências do material genético de microrganismos patogênicos. (foto: QuantuMDx)

 

Uma gota de sangue e 10 minutos de espera é o que vai bastar para você saber se tem alguma alteração genética associada a uma doença grave ou se está infectado com algum parasita. Essa é a promessa de um dispositivo portátil e descartável desenvolvido por cientistas da Austrália e dos Estados Unidos que será lançado já no ano que vem para detectar malária.

O produto inovador é uma espécie de cartão, do tamanho de um celular, que usa um chip para detectar trechos específicos de DNA em uma gota de sangue.

No caso da malária, o chip é preparado com trechos de metade da fita de DNA do parasita causador da doença, o Plasmodium, e reagentes que dividem o DNA do sangue testado. Se a gota de sangue estiver contaminada com o microrganismo, o DNAdo invasor se une aos trechos do chip. O resultado desse processo é verificado por uma máquina na qual o dispositivo é inserido para que seja fornecido o diagnóstico final.

Para o teste de alterações genéticas, o procedimento é o mesmo. O chip é preparado com trechos de DNA que contenham as mutações procuradas. Cada dispositivo podeser desenhado para fazer até 1.500 testes.

O geneticista John Burn, professor da Universidade de Newcastle (Reino Unido) e diretor da empresa que vai fabricar o produto, a QuantuMDx, acredita que a invenção vai mudar totalmente o modo como os testes genéticos são feitos hoje.

“A nossa tecnologia vai tornar o genoma completo dispensável, pois desenhamos perguntas específicas para problemas específicos”, disse em entrevista durante o 6º Fórum Mundial de Ciência, que acontece esta semana no Rio de Janeiro. “Não será mais preciso esperar semanas para ter o sequenciamento completo do seu DNA se você poderá simplesmente fazer o teste para procurar pelas alterações e doenças que lhe interessam.”

O teste convencional de genoma, que analisa todos os genes ativos em busca de mutações associadas a doenças, está cada vez mais popular. Se, em 2000, custava até 100 milhões de dólares, hoje é feito em laboratórios estrangeiros por cerca de mil dólares. Mas o novo dispositivo, além de mais rápido, pode ser ainda mais barato.

Segundo Burn, cada dispositivo descartável desenhado para um único teste vai custar em torno de 20 dólares se comprado em pequenas quantidades e cinco dólares se produzido em larga escala por algum fabricante médico interessado.

Além do teste para malária, já está sendo desenvolvido um teste para detectar alterações no gene BRAF, ligado ao câncer de pele, e outro para detectar marcadores genéticos associados à resistência ao medicamento varfarina, anticoagulante usado no tratamento de trombose que pode ocasionar sangramentos como efeito colateral.

Em 2014, o dispositivo estará disponível para detectar o material genético do parasita causador da malária, o ‘Plasmodium’, no sangue do paciente. (foto: MichaelZahniser/ Wikimedia Commons)

Em 2014, o dispositivo estará disponível para detectar o material genético do parasita causador da malária, o ‘Plasmodium’, no sangue do paciente. (foto: MichaelZahniser/ Wikimedia Commons)

Burn avisa que o dispositivo pode ser desenhado para detectar qualquer alteração genética associada a qualquer doença conhecida.

Nas mãos do paciente

A ideia do geneticista é que o dispositivo seja vendido para hospitais, clínicas, consultórios e também para pessoas individualmente. Segundo ele, os testes poderiam ser manuseados pelo próprio paciente e encaminhados para uma central que dispusesse da máquina leitora que provê o resultado.

O teste pode ser feito por qualquer um, sem a necessidade de um treinamento médico”, disse. “Isso vai facilitar o diagnóstico em nações mais pobres e sem sistemas desaúde estruturados, como, por exemplo, os países da África que sofrem com a malária, e até o interior do Brasil”. E continuou: “Além disso, vai dar mais privacidade ao paciente. Meninas jovens que quiserem fazer um testepara uma doença sexualmente transmissível, como a clamídia, e tiverem vergonha de dividir a suspeita com um médico vão poder aplicar o teste em si mesmas e depois só pegar o resultado.”

O cenário descrito por Burn pode parecer bom, entretanto não é aceito por todos. O físico e especialista em política científica húngaro József Pálinkás, que preside o Fórum Mundial de Ciência, defende que testes genéticos devem ser feitos com a assistênciade um médico ou geneticista.

“Acredito que esse não é o melhor modo de desenvolver testes”, disse. “As pessoas pegam todo tipo de informações e nem sempre sabem usá-las apropriadamente. Ainda precisamos da expertise médica para nos direcionar.”

Sofia Moutinho
Ciência Hoje On-line

1969: Primeira intervenção no código genético humano

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Flores, folhas e sementes de ervilhas, ovais e poligonais, vermelhas e brancas. Gregor Mendel, monge augustino austríaco, polinizou-as no jardim do mosteiro de Brno, cruzou-as e observou o resultado. Em 1866, Mendel descobriu assim as bases da hereditariedade, mas ninguém na época quis acreditar. Durante anos, as anotações do monge ficaram esquecidas em gavetas.

No fim do século 20, porém, a decodificação da herança genética provocou uma corrida científica. Em 26 de junho de 2000, o cientista Craig Venter, proprietário da empresa Celera Genomics, e Francis Collins, coordenador do projeto Genoma Humano (HUGO), fomentado com recursos públicos de diversos países, anunciaram conjuntamente, numa entrevista com toda pompa em Washington, terem decifrado a herança genética do ser humano.

“Nós estamos profundamente agradecidos pelo privilégio de sermos a primeira geração a poder folhear as páginas do livro que revela o segredo da vida, escrito na linguagem da idade, alguns diriam na linguagem de Deus”, declarou Venter.

Complexidade

Mais de três bilhões de caracteres genéticos estão decodificados, ou seja, de 30 a 40 mil genes. Eles fazem o ser humano. A interação dos genes é complexa demais e determinados fatores ambientais desempenham papel tão fundamental que não se pode afirmar qual ou quais genes poderiam ser responsáveis, por exemplo, pela pressão do sangue, ou se há um gene para alcoolismo, olhos azuis, cabelos loiros, musicalidade, bom ou mau caráter.

“Não estamos num filme de faroeste, no qual se identifica o bom e o mau pela ponta do nariz, mas acho que trata-se de o bem contra o bem. Nós temos de deixar dois princípios bem claros neste difícil debate sobre limites. Nós vamos precisar deles e, à pergunta ‘O homem pode tudo? O que pode?’, pode-se desde já responder com um não”, observou Margot von Renesse, presidente da Comissão de Direito e Ética na Medicina Moderna, do Parlamento alemão.

Até o momento, o medo de criação de seres humanos e as visões de Frankensteins são infundados. Talvez o passo dado em direção à manipulação genética humana seja na verdade bem pequeno. Em janeiro de 2001, cientistas apresentaram Andi, o primeiro macaco transgênico do mundo. Segundo seus criadores, exclusivamente para fins medicinais. Com auxílio de um gene de Alzheimer infiltrado, poderia se testar no animal medicamentos e vacinas para seres humanos.

Passos cruciais

Entre o início, ou seja, quando Gregor Mendel fez suas experiências com ervilhas, e o momento atual, do macaco rhesus geneticamente modificado, da cartilha de Craig Venter e da desconfiança sobre os verdadeiros intuitos dos cientistas, onde deram-se os passos cruciais?

Um deles aconteceu em 23 de novembro de 1969, na Universidade de Harvard, em Boston. Na ocasião, uma equipe de pesquisadores, sob a direção do bioquímico Jonathan Beckwith, conseguiu pela primeira vez isolar um gene.

Beckwith: “Aquele foi realmente um grande dia. Foi a primeira intervenção em nosso patrimônio hereditário. Nós trabalhamos com bactérias muito populares, de formação muito simples. Chamam-seEscherichia coli. São bacilos que vivem no intestino humano e cuidam para que ele funcione. O gene que nós isolamos foi – por assim dizer – a base para tudo o que veio em seguida em termos de engenharia genética.”

Aqui alguns dos passos seguintes: Em 1973, pesquisadores americanos conseguiram infiltrar o gene de um sapo na bactéria intestinal. Nos EUA, chega ao mercado em 1982 o primeiro medicamento produzido pela engenharia genética, a insulina. O primeiro mamífero transgênico, o rato oncomouse, é patenteado em 1988 nos Estados Unidos.

Dois anos depois, começou o projeto Genoma Humano, no qual cientistas de todo o mundo se uniram para decifrar o código genético. Em 2000, Craig Venter e os cientistas do Genoma Humano apresentaram a cartilha completa do patrimônio genético humano.

 

  • Autoria Judith Hartl (mw)

Exame de sangue pode detectar metástase em pacientes com câncer de pele

Melanoma: doença é tipo menos comum, porém mais grave de câncer de pele (Peter Dazeley/Getty Images)

Melanoma: doença é tipo menos comum, porém mais grave de câncer de pele (Peter Dazeley/Getty Images)

No futuro, um simples exame de sangue poderá revelar se o melanoma, tipo mais grave de câncer de pele, se espalhou pelo organismo de um paciente com a doença. Um estudo britânico descobriu uma forma de identificar, com base na análise celular, quando uma determinada mutação genética é capaz de espalhar o tumor para outras partes do corpo.

O melanoma tem origem nas células produtoras de pigmentos e, apesar de ser um tipo menos comum de câncer de pele, é considerado o mais grave por geralmente resultar em metástase.

A nova pesquisa foi divulgada durante a conferência do Instituto Nacional de Pesquisa em Câncer da Grã-Bretanha (NCRI, sigla em inglês), que acontece até esta quarta-feira em Liverpool, na Inglaterra. No estudo, os pesquisadores analisaram células cancerígenas obtidas das amostras de sangue de pacientes diagnosticados com melanoma, olhando especificamente para o gene TFP12. Sabe-se que esse gene ajuda a controlar uma proliferação acima do normal de células da pele e, consequentemente, contribui com a prevenção do câncer.

Os cientistas descobriram que pacientes com melanoma apresentam alterações genéticas que “desligam” o TFP12. O grupo também observou que essa mutação ocorre em diferentes níveis, que são maiores quanto mais avançado está o câncer. A partir desses achados, os autores concluíram que medir os níveis de alteração no gene TFP12 pode ser uma forma de identificar quais pacientes com melanoma apresentam metástase.

“Uma vez que o melanoma se espalha, o tratamento se torna muito mais difícil. Detectar se a doença entrou ou não em metástase também é um grande desafio”, diz Tim Crook, oncologista da Universidade de Dundee, na Grã-Bretanha, e coordenador do estudo. “Ao usar o exame de sangue, nós podemos ter uma forma simples e precisa de descobrir o quão avançada está a doença, assim como ter um sinal de alerta sobre se o câncer começou a se espalhar. Há evidências crescentes de que os novos tratamentos são mais eficazes nesses estágios iniciais. Então, identificar a metástase mais precocemente pode aumentar as chances de cura.”

FONTE: REVISTA VEJA

Projeto 1.000 Genomas publica maior levantamento de variações do DNA já realizado

Nosso DNA é formado por milhões de combinações de  nucleotídeos que se entrelaçam numa hélice em espiral (iStockphoto)

Nosso DNA é formado por milhões de combinações de nucleotídeos que se entrelaçam numa hélice em espiral (iStockphoto)

Quando o assunto é genética, trocar um ‘T’ por um ‘A’ pode significar muita coisa. Nosso genoma é formado por cerca de bilhões de cadeias de nucleotídeos, aquelas trincas construídas por combinações das letras A-T e C-G entrelaçadas na dupla-hélice do DNA. A forma como as milhões de trincas de nucleotídeos se constroem e se encaixam é responsável por definir todas as nossas características, da cor dos cabelos ao tamanho do nariz. Mas e se uma ínfima parte dessa complexa engenharia também estiver relacionada com a predisposição ao desenvolvimento de uma doença rara?

Essa relação é bastante aceita na comunidade científica há alguns anos. Só que a falta de uma ampla base de dados com os inúmeros encaixes e variações de nucleotídeos possíveis sempre representou um desafio, principalmente pelo tempo – e custo – que um estudo costumava demandar no passado.

São obstáculos que, aos poucos, têm sido superados. Um artigo publicado nesta quarta-feira na revista científica Nature traz um dos maiores levantamentos das variações do genoma já realizado. Assinado por uma centena de autores, o estudo mapeou o DNA de 1.092 pessoas de 14 grupos populacionais ao redor do mundo, comparando a composição do genoma de cada um e identificando dezenas de milhões de diferentes encaixes. No total, foram encontrados 38 milhões casos de polimorfismos de nucleotídeo único [SNP, em inglês, indicado quando apenas uma letra é alterada (exemplo: ATTACG vira ATTACC)], 1,4 milhão de indels (inserção ou deleção de um único nucleotídeo) e 14.000 deleções de mais de uma letra.

O estudo faz parte da segunda etapa do 1.000 Genomes Project. Os 1.092 participantes foram separados em quatro grupos ancestrais: europeus, africanos, asiáticos do extremo oriente e americanos. O objetivo dessa divisão era facilitar a caça por variantes ainda não conhecidas, que pudessem ter sido causadas por milhões de anos de evolução. “Antes, um outro estudo com mais de 1.000 pessoas já tinha sido realizado, mas elas eram de uma mesma região. Com gente de vários grupos étnicos, o número de diferenças encontradas é muito maior”, afirma a geneticista Mayana Zatz, do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do site de VEJA.
Ninguém é igual — As variações foram catalogadas de acordo com a frequência com a qual se manifestavam nos testes: as vistas em mais de 5% das amostras foram consideradas “comuns”; as que apareceram entre 0,5% e 5% das pessoas foram colocadas numa cesta chamada “pouco frequentes” e as só observadas em até 0,5% dos exemplares foram catalogadas como “raras”. A comparação de resultados conseguiu flagrar cerca de 98% das variações genéticas raras que ocorrem em pelo menos 1% da população. “Ficam de fora as variações raríssimas, que acontecem, por exemplo, apenas em uma família. Não daria para identificá-las analisando casos aleatoriamente”, diz a professora Lygia Veiga, também do departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP.
O surpreendente é que parte considerável das variantes raras encontradas tinham funções negativas, alterando ou inibindo o funcionamento de proteínas que estão relacionadas a doenças genéticas. Só que os participantes eram pessoas saudáveis, o que indica que outras mutações podem existir que anulam eventuais enfermidades. “Diversos fatores permitem que as pessoas sobrevivam com tantos erros no genoma”, disse ao site de VEJA Aravinda Chakravarti, da escola de Medicina do hospital Johns Hopkins e um dos autores do artigo. “Às vezes a mutação é encontrada ao lado de um componente que inibe a doença.”
De acordo com ele, estudos futuros que detalhem os reais efeitos que essas mutações raras causam no organismo poderão significar avanços para a medicina. “No nível da genética, vai nos dar uma base de comparação. Se vamos estudar certos quadros clínicos, precisamos comparar a estrutura genética de pessoas enfermas com a de indivíduos portadores dos mesmos genes negativos, mas que por alguma razão não estão com problemas de saúde”, explica.
 Diversidade étnica – Mayana Zatz pretende realizar um experimento semelhante na cidade de São Paulo. Ela está em busca de pessoas saudáveis com mais de 80 anos para realizar o mapeamento genético e buscar por variações. “A amostra precisa ser de pessoas mais velhas, e sem quadro clínico, porque isso significa que doenças genéticas associadas a alguma mutação dos genes não se manifestaram”, diz a geneticista.
Mayana pretende montar um banco de dados dessa população para poder comparar as variações genéticas encontradas. “Vamos supor que encontremos uma pessoa que tem um gene que destrói uma proteína, mas que não apresenta quadro clínico. Isso sugere que algum outro gene está compensando a ausência daquela proteína. Se a gente conseguir descobrir o que inibe, abriremos novos caminhos.” Ela aposta numa característica particular da cidade para encontrar um grande número de variantes. “São Paulo agrupa, num mesmo lugar, inúmeros grupos étnicos.”

Qual a maior contribuição que o estudo traz?

Este estudo é a evolução natural do nosso entendimento da variação (genética) em humanos e como isto se relaciona aos nossos fenótipos (como o genótipo se relaciona com o ambiente), incluindo doenças. Este projeto não apenas desenvolveu a técnica e os métodos computacionais para a obtenção de um grande número de sequências de genoma humano com começou estudos para interpretar o significado das variações que ocorrem entre as pessoas. O aspecto mais importante (da pesquisa) é quantificar o nosso conhecimento sobre a variação de sequências do genoma humano; isso partindo de indivíduos aleatórios de diversas linhagens, de modo que uma variação específica de uma doença (como hipertensão) possa ser identificada. Dessa forma, esse conhecimento nos está dando o material bruto para que possamos entender a história das populações humanas em detalhes nunca antes visto.Por que coletar dados de grupos étnicos diferentes?

Estudos genéticos similares nos últimos 30 anos jogaram luz em diversos aspectos da evolução humana e migrações, mas os detalhes da história ainda precisam ser descobertos. Está claro que as variações (no genoma) em qualquer população depende do seu passado e da sua atual demografia. O tamanho da população e a história migratória são dois parâmetros-chave.

Como o material coletados nos bancos de dados poderia contribuir para a medicina, por exemplo?

De muitas formas. Por exemplo: se um indivíduo tem uma mutação em um gene que está relacionada com uma determinada doença, estudar seu código genético pode os dar evidência direta se esta pessoa está protegida ou não daquela doença.

FONTE: REVISTA VEJA

Mesmo corpo, vários genomas

Enquanto o corpo humano cresce e se desenvolve, pequenas falhas no processo de replicação das células podem dar origem a mutações no DNA que as constitui. Uma pesquisa recente analisou as células da pele de sete indivíduos e descobriu que 30% delas apresentavam genomas diferentes do resto do corpo (Thinkstock)

Enquanto o corpo humano cresce e se desenvolve, pequenas falhas no processo de replicação das células podem dar origem a mutações no DNA que as constitui. Uma pesquisa recente analisou as células da pele de sete indivíduos e descobriu que 30% delas apresentavam genomas diferentes do resto do corpo (Thinkstock)

Desde que os biólogos James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura do DNA em 1953, os cientistas supunham que todas as células do corpo de um indivíduo saudável possuíam o mesmo genoma, uma cópia exata da receita original, presente no embrião. Eventuais mutações, acreditavam, teriam consequências drásticas, como o surgimento de tumores. Descobertas feitas nos últimos anos, no entanto, revelam que uma pessoa pode normalmente carregar vários DNAs espalhados pelo seu corpo, resultado de mudanças sem fim em seu código genético. Pesquisadores já encontraram essas mutações em diversos tecidos do corpo humano, como cérebro, pele, sangue e rins. Conhecer o padrão desse mosaico genético pode ajudar no diagnóstico e tratamento de doenças e até em investigações policiais.

Todo animal nasce a partir do encontro de um óvulo com um espermatozoide, de que resulta seu DNA original. Até a última década, os pesquisadores reconheciam apenas um DNA por indivíduo, replicado com perfeição — nucleotídeo por nucleotídeo — por todo o corpo. “As apostilas de genética deixavam claro que todas as células deveriam ter o mesmo genoma. Podia haver algumas poucas exceções, como as células reprodutivas e algumas do sistema imunológico, mas a história terminava aí”, afirma Alexander Urban, professor de psiquiatria e genética na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e autor de algumas das principais pesquisas sobre a variação no DNA humano. Uma das exceções conhecidas pelos pesquisadores desde os anos 1950 é o quimerismo, que ocorre quando dois embriões que dariam origem a gêmeos se fundem no útero materno, gerando um único indivíduo com dois DNAs diferentes espalhados pelo corpo.

Nos últimos cinco anos, no entanto, os pesquisadores descobriram que variações do DNA não são incomuns, nem necessariamente danosas. “Quase todas as pessoas possuem algumas dessas variações espalhadas pelo corpo. Ainda não podemos afirmar categoricamente o número de mutações ou de pessoas que as carregam, mas as temos encontrado na maioria dos estudos que fazemos. Deve levar entre cinco a dez anos para que tenhamos dados mais precisos”, afirma Urban.

Embora seja um campo de estudo relativamente novo — os estudos mais robustos não possuem mais do que três anos —, os pesquisadores já foram capazes de catalogar uma série dessas variações. Em um dos estudos que contaram com a participação de Urban, os cientistas valeram-se da autópsia de seis indivíduos para mapear a variedade genética de seus órgãos. Em cinco dos seis corpos foram encontradas mutações. “Isso não quer dizer que os genomas dos órgãos sejam completamente diferentes. Em um dos casos, por exemplo, nós encontramos alterações em apenas cinco pares de bases que compõem o DNA dos rins e do fígado. Perto dos três bilhões de pares que compõem todo o genoma, é muito pouco”, diz Urban.

Mosaicos humanos — O número de pesquisas sobre o tema tem crescido aceleradamente. Para tanto, os cientistas contam com o avanço da tecnologia de análise genética, que permite exames cada vez mais rápidos, baratos e precisos. “Há uma década, um grupo de centenas de milhares de cientistas levou cerca de treze anos para sequenciar o primeiro genoma humano, a um custo de 3 bilhões de dólares. Hoje, aqui em nosso laboratório, podemos sequenciar três ou quatro genomas por semana, cada um custando milhares de dólares. Ficou muito mais fácil — e rápido— fazer experimentos e testar hipóteses”, diz Urban.

Com isso, os cientistas puderam não só comparar as diferenças dos genomas entre diferentes pessoas, mas também entre os diferentes tecidos do mesmo indivíduo. Descobriram assim, novas formas de quimerismo, como filhos que carregavam em seu sangue algumas células maternas, que absorveram quando estavam ainda estavam no útero, ou mães que tinham, em diversos tecidos de seu corpo, restos de células com o DNA dos filhos.

Mas o que mais surpreendeu os cientistas foram as análises genéticas que mostraram que as células de um mesmo indivíduo podiam começar a sofrer mutações espontâneas durante seu desenvolvimento, gerando tecidos com DNAs diferentes. Esse fenômeno — que recebeu o nome de mosaicismo, como se o indivíduo fosse formado a partir de um mosaico de genomas diferentes — se mostrou muito mais comum do que se suspeitava. Uma pesquisa realizada por Alexander Urban, por exemplo, analisou e comparou o DNA das células da pele de sete indivíduos. Como resultado, descobriu que 30% das células estudadas apresentavam pequenas variações genéticas que as diferenciavam do resto do corpo.

Os pesquisadores querem agora saber em que momento do desenvolvimento corporal essa mutações acontecem. “Se uma mutação acontece no começo do desenvolvimento cerebral, por exemplo, ela estará em todos os neurônios do cérebro”, diz Urban. Se só acontecer mais tarde, estará muito menos presentes — e será muito mais difícil achá-la.

Mutações e doenças — Os cientistas ainda não são capazes de afirmar com certeza quais são os efeitos de todas essas mutações para a saúde humana. “O que podemos afirmar é que a maioria dessas variações não é muito maligna”, diz Urban. “Ou estaríamos todos mortos.”

Uma minoria dessas mutações, no entanto, tem efeitos perversos para a saúde da população. Essas variações são as mais fáceis de descobrir, pois os indivíduos que as carregam adoecem, procuram os médicos e eventualmente têm seu DNA analisado. Foi assim que os cientistas conseguiram ligar o mosaicismo a uma série de doenças raras, como as síndromes de McCune–Albright, de Pallister–Killian e de Proteus, que têm sintomas semelhantes, gerando deformações nos ossos, mudanças na pigmentação da pele e no desenvolvimento corporal.

Uma pesquisa publicada por cientistas da Universidade da Califórnia no ano passado, por exemplo, mostrou que mutações nas células do cérebro são responsáveis pela megaloencefalia, uma condição na qual metade do órgão cresce mais do que a outra e causa severas convulsões. O laboratório de Alexander Urban está, neste momento, pesquisando se existe alguma relação entre mudanças no DNA das células cerebrais e doenças mais comuns, como autismo e esquizofrenia.

As doenças mais conhecidas por surgirem a partir de mutações no DNA são os cânceres. Eles surgem a partir de mudanças grandes nos genomas — podendo atingir alguns milhares de pares de base — que fazem com que as células passem a se reproduzir descontroladamente.

Com os avanços na área, os cientistas estão começando a entender que tipos de mutações são as mais perigosas. Uma pesquisa publicada este mês na revistaScience, por exemplo, comparou as variações genéticas encontradas naturalmente no genoma humano com aquelas que aparecem nos tumores. Como resultado, mapeou as regiões do DNA que são mais vulneráveis a alterações malignas, que podem dar início ao câncer. “Nós classificamos essa regiões como sensíveis ou ultrassensíveis, pois estão mais suscetíveis a esse tipo de mutação”, diz Mark Gerstein, pesquisador de bioinformática na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e autor do estudo, em entrevista ao site de VEJA.

A pesquisa de Mark Gerstein é um exemplo do rumo que podem tomar as novas pesquisas na área da genética. Ao descobrir que as variações no DNA são muito mais comuns do que se pensava, e ao mapear quais delas podem dar origens a doenças, os cientistas estão dando início a uma nova etapa da medicina personalizada. “Ao caracterizar completamente um tumor, por exemplo, nós podemos administrar drogas desenvolvidas para aquele tipo de câncer, com suas mutações específicas”, afirma Gerstein.

Investigação policial – Outra área que deve sofrer consequências a partir desses estudos é a ciência forense, em particular o uso de teste genéticos para identificar criminosos. “O mosaicismo não pode levar a uma falsa acusação. É impossível que alguém vá preso porque uma mutação em seu DNA o torna parecido com o de um criminoso — o DNA é grande demais para isso. Mas é possível, embora muito improvável, que algum criminoso não seja encontrado porque as marcas que deixou não correspondem ao DNA do resto de seu corpo”, diz Urban. O mesmo tipo de problema pode ser apontado em outros testes genéticos, como os que examinam a paternidade.

O pesquisador diz que, para resolver esse impasse, bastariam algumas mudanças nos testes. Esses exames não costumam cobrir todo o genoma do indivíduo, mas alguns marcadores específicos que se encontram ao longo do DNA. Se os pesquisadores descobrirem os trechos mais suscetíveis às mutações, ou os testes passarem a analisar um número maior de marcadores, os erros tendem as ser evitados. “São mudanças pequenas, que não exigem o abandono dos exames. Essa é uma área muito nova de pesquisas, mas, por enquanto, nada do que descobrimos justifica grandes preocupações”, afirma.

FONTE: REVISTA VEJA

Cientistas criam primeiro mapa da resistência humana ao vírus da Aids

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Cientistas da Escola Politécnica de Lausana (EPFL, na sigla em francês) e do Hospital Universitário do cantão de Vaud, Suíça, publicaram hoje os resultados de um estudo sobre a doença na revista científica “eLife”.

Mediante o estudo de estirpes de VIH alojadas num hóspede humano, os investigadores identificaram mutações genéticas específicas, que refletem os ataques produzidos pelo sistema imunitário.

Com este sistema, os cientistas conseguiram reconhecer as variações genéticas que tornam algumas pessoas mais resistentes ao vírus e outras mais vulneráveis, além de usarem esta informação para criarem tratamentos individualizados.

Com a ajuda de um “supercomputador”, os cientistas cruzaram mais de 3.000 possíveis mutações no genoma do vírus com mais de seis milhões de variações do genoma de 1.071 pessoas seropositivas.

“Tínhamos que estudar as estirpes virais de pacientes que não tivessem recebido qualquer tratamento, o que não é comum”, explicou através de um comunicado o investigador da EPFL, Jacques Fellay.

Por isso, os cientistas basearam o estudo em banco de amostras criados nos anos 80 quando ainda não existiam tratamentos eficazes.

Fellay precisou que o corpo humano desenvolve sempre estratégias de defesa contra o VIH, mas “o genoma do vírus muda rapidamente, à razão de milhões de mutações por dia”, o que dificulta a tarefa de lutar contra ele.

Segundo os autores do estudo, este trabalho permitiu obter uma visão mais completa dos genes humanos e da resistência imune ao VIH, o que poderia gerar novas terapias inspiradas nas defesas genéticas naturais do corpo humano.